terça-feira, junho 3

A rede mundial de pessoas e essa coisa internet

Por Roberto Cassano

Algumas coisas óbvias podem ser surpreendentes. Aliás, olhar e analisar o óbvio é um saudável exercício que todos deveriam praticar. Aconteceu comigo quando fui tentar resumir o que, hoje, é a internet.

Foi como estar num restaurante giratório. Você dá a primeira garfada no bife enquanto observa a vista. E quando está encurralando a última ervilha na borda do prato, olha de novo para a janela envidraçada e se surpreende por tudo estar diferente. Você sabe que está no mesmo restaurante, na mesma cidade, com o mesmo bife com ervilhas, sabe que o restaurante está girando e ainda assim se surpreende ao notar, de repente, que o panorama mudou completamente.

Quando a internet ganhou as páginas dos jornais, na segunda metade dos anos 90 (e quando a maioria de nós formou sua visão do que é esse treco), a palavra-chave para ela era ACESSO. É só lembrar. Uns 9 em 10 comentários mencionavam o fato de você “poder ver os quadros do Louvre sem sair de casa”. Ou a ver Biblioteca do Congresso Americano. Ou acessar as livrarias e lojas do mundo todo. Ou tentar acompanhar uma rádio da Bósnia pelo RealPlayer, com aquela sua conexão horrorosa e picotada.

A internet abriu as portas para um novo mundo. E como era esse mundo? Bem dizia toda e qualquer menção a ela na Rede Globo: “internet – vírgula – a rede mundial de computadores – vírgula”. Era você, humano, entrando num emaranhado de máquinas. Tron. Matrix. Neuromancer.

Éramos forasteiros. Voyeurs de dados.

O que a gente fazia na rede? Surfava. Navegava. Pulava de site em site. A internet, estar online, era, em si, a atividade. Meio e fim.

E nos fascinamos em acompanhar cada passo, cada software, cada inovação, cada viral. Tão atento que somos em buscar o hoje, o agora, o daqui a pouco, nos surpreendemos ao olhar pela vidraça e perceber que, de forma tão contínua que nem notamos, o panorama mudou completamente.

A cada dia, avalanches de novos brasileiros entram na internet. Entram em lan-houses. Ou em seus computadores Positivo comprados em 24 vezes nas Casas Bahia. Brasileiros jovens. Brasileiros velhos.

Brasileiros que nunca ouviram falar do Cadê?. Nunca acessaram o Yahoo!. Nem sabem do JB Online, o primeiro jornal brasileiro na internet. Desconhecem IRC, Napster, guerra dos browsers.

A internet deles é outra. Completamente diferente.

Eles têm o Orkut como ponto de partida. Como seu sistema operacional. É no Orkut que interagem com fotos, com vídeos, com amigos. O MSN é seu e-mail. E para eles, internet não tem nada a ver com acesso. Internet, para eles, é RELACIONAMENTO.

Essa geração (não só etária, mas sobretudo econômica) nunca conheceu uma web solitária, da navegação noturna, surf virtual madrugadas a dentro. As redes sociais não são a mais nova e quente novidade. A web para eles é necessariamente uma atividade social. É inerente. Faz parte. Pão e manteiga. A característica gregária de novo povo, então, torna isso ainda mais forte.

Para eles, a internet não tem a menor cara de “rede mundial de computadores”. É uma rede de pessoas. Amigos, dos amigos, dos amigos. Comunidades das comunidades.

Quando eles “surfam”, é praticamente uma pesca com rede de arrasto. Recentemente, o guru Jacob Nielsen alertou: “os usuários estão ficando mais egoístas e impacientes”. Claro. Nunca tiveram modem de 2.400. Não se fascinam com hiperlinks, sites que se ligam… entram no Google, digitam o que querem, entram no site (pela porta dos fundos), resolvem sua vida, caem fora e vão socializar. A internet já não é fim, é meio.

A gente vem falando isso há alguns anos, mas é como um petista no poder. De repente aquele discurso todo vira realidade, ali do lado de fora da janela giratória. Visões e sonhos realizados são sempre assustadores, porque a gente precisa rapidinho achar algo novo pra sonhar.

Entender, embarcar e respeitar essa nova dinâmica social da rede, portanto, está longe de ser a “nova moda dos publicitários”. E, mais importante, não está ligada a tecnologia nenhuma. Second Life, Orkut, Open Social… não importa. A gente finalmente não está mais falando de computadores.

Já não somos forasteiros na matrix. O mundo é o nosso. Mundo real. Com baleia morrendo, aquecimento global, dengue, PT, Bush e créu. Esse mundo que é uma grande rede mundial de pessoas, onde elas propagam idéias em velocidade estonteante. É nele que estamos inseridos. É ele que vemos do lado de fora da janela. É ele que vemos quando ligamos nossos computadores, celulares, videogames e nabaztags nessa coisa chamada internet.

Originalmente publicado no Webinsider